CAMPO DE BATALHA DE ALJUBARROTA

Paisagismo

a RECUPERAÇÃO Paisagista


A intervenção paisagística realizada desde 2007 permite hoje aos visitantes a circulação por todo o terreno, sem cortes ou interrupções, entre o Centro de Interpretação e as “covas de lobo”, passando pela Capela de São Jorge. Possibilita-se um percurso lógico e coerente, de forma a tornar clara e perceptível a leitura do território onde se travou a Batalha de Aljubarrota em 1385.


Antes da classificação como monumento nacional

Antes da classificação do Campo de Batalha de Aljubarrota, em 2001, como “monumento nacional”, foram permitidas actividades com grande impacto visual e nada consentâneas com a memória e dignidade deste lugar histórico. Exemplo disso foi a utilização de terrenos para usos como os seguidamente apresentados:



Utilização de terrenos para depósito de lixo e de automóveis abandonados, no local onde durante a Batalha de Aljubarrota se localizou a ala direita do exército português.



Estas utilizações e construções clandestinas contribuíram para a deterioração deste lugar. Não existia também a preocupação com a recuperação e valorização da paisagem deste Campo de Batalha, nem com a criação de condições que justificassem a vinda de um número significativo  de visitantes.

Por estes motivos, embora a Batalha de Aljubarrota seja considerada como uma das quatro principais batalhas medievais em toda a Europa, devido às suas vertentes militares, políticas e diplomáticas, este lugar histórico foi praticamente ignorado até à sua classificação em 2001.  Existia até então um Museu Militar, mandado construir pelo Exército Português por iniciativa do Gen. Manuel Themudo Barata, com a colaboração do Cor. Francisco Sousa Lobo na preparação dos seus conteúdos, aquando da comemoração dos 600 anos da Batalha em 1985. Este Museu Militar recebia cerca de 4.000 visitantes por ano, sobretudo de escolas.

Por este lugar histórico ter estado praticamente abandonado, foram autorizadas construções inclusivamente dentro da área principal do campo de batalha, e permitidos usos totalmente contraditórios com a dignidade deste lugar, único e insubstituível.

Deste modo e devido à falta de atenção prestada à importância deste local por diversas entidades oficiais, foram autorizadas construções neste campo de batalha, que prejudicaram a sua paisagem histórica e destruíram vestígios da Batalha, nomeadamente “fossos” e “covas do lobo”. 

É bem elucidativo o conjunto de construções que existiam à data da classificação do Campo de Aljubarrota, ou seja, em 2001, de que apresentamos, em primeiro lugar, as casas existentes no local onde se colocou, durante a Batalha, a "Ala dos Namorados":




Antigo perfil da Rua Prof. Henriques Guimarães


As mesmas casas vistas de outro ângulo 


Do mesmo modo, no centro do Campo de Batalha, na Avenida Nuno Álvares Pereira, existem as seguintes casas:



Casas situadas no local onde se travou o combate principal 



A cruz visível (à esquerda da imagem) representa o local onde Martim Gonçalves de Macedo salvou, em pleno combate, o Rei de Portugal, Dom João I.


Por outro lado, no local onde esteve D. João I durante a Batalha, encontra-se a seguinte construção: 


Esta construção inclui uma taberna e uma venda de fogões.



Estes são exemplos de como, ao longo dos anos, se tratou este lugar histórico sem o cuidado que merecia. Para a degradação desta paisagem histórica, muito contribuiu a construção, em 1960, da Estrada Nacional n.º 1, que atravessou todo o planalto de São Jorge, constituindo uma verdadeira “cicatriz”, e dando origem, nas suas duas margens, ao aparecimento de inúmeros comércios e casas de habitação. Se este lugar histórico estivesse então já classificado, ter-se-ia certamente evitado esta degradação paisagística, encontrando um trajecto alternativo para esta estrada. 


A CLASSIFICAÇÃO DO CAMPO DE ALJUBARROTA

Como forma de atender à importância deste lugar e de proteger a sua paisagem, o Exército Português propôs, em 2001, a classificação do Campo de Batalha de Aljubarrota como Monumento Nacional. Esta proposta foi aceite pelo IPPAR, que desde logo deu início ao respectivo processo de classificação, através da Direcção Regional de Cultura do Centro.

 

Este processo de classificação prosseguiu depois com a publicação, em 2003, do limite da área, com as suas três componentes, a zona “non-aedificandi”, a área classificada e a ZEP - Zona Especial de Proteção (ver anexo 1). 


Esta mesma área classificada é apresentada no mapa seguinte, evidenciando-se cada uma das três áreas:


 Classificação do campo Militar de São Jorge, ou Campo da Batalha de Aljubarrota


O processo de classificação do Campo de Aljubarrota como “monumento nacional” ficou concluído com a publicação em Diário da República, 2ª Série, da Portaria n.º 426/2012, em 10 de setembro de 2012 (ver anexo 2).

Esta paisagem histórica pôde assim ser finalmente protegida.

Para a concretização deste objectivo será fundamental a aprovação do Plano de Pormenor e Salvaguarda de São Jorge, a ser elaborado essencialmente pela Câmara Municipal de Porto de Mós e pela Direcção Regional de Cultura do Centro. A Fundação Batalha de Aljubarrota não deixará, contudo, de dar o seu contributo para este importante Plano.    



A PAISAGEM E O PAPEL DA Fundação Batalha de Aljubarrota

Tendo o processo de classificação sido iniciado, em 2001, pelo Ministério da Cultura, o Senhor António Champalimaud entendeu patrocinar, em 2002, a constituição da Fundação Batalha de Aljubarrota, com o intuito de prestar um contributo decisivo para a recuperação e promoção deste lugar histórico.

A Fundação procurou assim, desde 2002, através de um trabalho conjunto com o Ministério da Cultura, alterar a situação de abandono em que se encontrava este Campo de Batalha, implementando também as condições necessárias que justificassem a visita do público.

A Fundação Batalha de Aljubarrota adquiriu também, desde então, alguns terrenos e imóveis situados dentro da área classificada do Campo de Batalha de Aljubarrota, com vista a recuperar, tanto quanto possível, a paisagem existente no ano em que se verificou a Batalha, ou seja, em 1385. 

Este procedimento da Fundação reveste um verdadeiro serviço público, na medida em que depois de adquiridos, estes imóveis são demolidos e a respetiva paisagem é recuperada, sendo seguidamente os respetivos terrenos colocados à disposição do público visitante. É um investimento que não tem retorno financeiro, na medida em que os imóveis, depois de adquiridos, são demolidos.

Apresentamos seguidamente um exemplo de demolição de um imóvel que se encontrava localizado na parte principal deste Campo de Batalha:





A este respeito é bem visível a diferença entre as duas seguintes fotografias, relativas ao local onde se localizou, durante a Batalha de Aljubarrota, a Ala dos Namorados:



Paisagem existente em 2018, com diversas casas.



Paisagem atual do terreno com apenas uma casa.


Subsiste apenas uma casa que esperamos, em breve, poder adquirir e demolir, o que permitirá a reposição integral desta parte fundamental do Campo de Batalha, onde esteve situada a Ala dos Namorados.

É a este respeito importante apresentar o mapa cadastral do local onde se verificou a parte principal da Batalha de Aljubarrota, referindo as propriedades que pertencem, em 2020, ao Estado Português e à Fundação Batalha de Aljubarrota:





Para essa recuperação paisagística, foram também utilizadas as descrições da paisagem efectuadas pelo cronista medieval, Fernão Lopes que indica, nomeadamente, a existência de uma planta denominada "urze", que se pode ainda encontrar nos dias de hoje. Nos terrenos do Estado e da Fundação procuraram-se repôr as espécies vegetais da época da batalha, com base nos resultados das análises polínicas, dos dados fornecidos pela botânica e pelas descrições cronísticas, que destacam as urzes existentes neste campo. As análises polínicas referem plantas espontâneas deste local, algumas de linha de água, como o Salgueiro (Salix) e o Amieiero (Alnus glutinosa) e, mais uma vez, as urzes. A associação fitossociológica deste local é dominada pelo Carvalho-português (Quercus faginea), embora se encontrem também muitos elementos da lista do Sobreiro (Quercus suber).

Deste modo, no inicio de 2019, foi revisto o projeto de arquitetura paisagística "Espaços exteriores de parcelas envolventes ao CIBA", que inclui os espaços exteriores dos terrenos que têm vindo a ser adquiridos junto ao CIBA. A sua revisão prendeu-se com o facto de terem sido adquiridos mais terrenos pela Fundação, que foram integrados no projeto original.

Este projeto de arquitetura paisagística (peças desenhadas, memória descritiva, estimativa orçamental e medições), foi oficialmente apresentado, no inicio de 2019, á  Câmara Municipal de Porto de Mós e à Direção Geral do Património Cultural, tendo sido obtida a aprovação destas entidades em Setembro de 2020. Pôde a partir de então ser executado no terreno, consistindo a primeira fase na demolição das construções existentes (casas, muros, redes de infraestruturas). Será assim um projeto paisagístico a executar em 2020 e 2021, que irá aumentar, significativamente, a qualidade das visitas do público.

É também importante referir que o Planalto de São Jorge, na área onde se verificou a parte principal do combate da Batalha de Aljubarrota, não sofreu até hoje, felizmente, grandes modificações. É assim possível, no essencial, restabelecerem-se as condições da paisagem existente no ano da Batalha. 

Os terrenos adquiridos pela Fundação não têm um fim produtivo (agrícola ou florestal) mas sim um fim pedagógico, lúdico e interpretativo, de modo a que os visitantes deste local histórico possam compreender, nos seus percursos, a importância que esta paisagem teve no desenvolvimento e sobretudo no resultado da Batalha de Aljubarrota. Não foi por acaso que D. Nuno Álvares Pereira, excecional estratega militar, escolheu estes terrenos para travar a batalha, pelo que se torna da maior importância repor a paisagem existente em 1385.

Sendo o campo de Aljubarrota um símbolo extraordinariamente importante para todos os portugueses, o trabalho de recuperação e dignificação deste lugar histórico, que foi palco de um acontecimento que permitiu que Portugal seja hoje um país livre e independente, deveria ter sido iniciado há já várias décadas, e não apenas em 2001. 

A Fundação espera assim que em colaboração com o Ministério da Cultura e com a Câmara Municipal de Porto de Mós, seja possível concluir a recuperação da parte principal do Campo de Batalha de Aljubarrota, para beneficio de todos os portugueses. É uma orientação que crescentemente se realiza em todos os países da Europa e nos EUA, onde cada vez mais se procuram proteger e valorizar os locais de importância histórica relevante, que são também suscetíveis de serem visitados pelo público. Trata-se de uma proteção do património cultural, que beneficia não apenas a riqueza do País, mas também o número de locais associados ao turismo cultural.

Estamos certos que com uma boa oferta expositiva existente dentro do CIBA, associada à recuperação paisagística da parte essencial deste campo de batalha, se proporcionará a todos os visitantes, nacionais e estrangeiros, um conhecimento não só agradável como instrutivo, da forma como foi preparada e travada a Batalha de Aljubarrota. A recuperação paisagística deste lugar proporcionará também um aumento da qualidade de vida aos residentes da área classificada, na medida em que passarão a viver num local melhorado e sem usos que degradam a sua paisagem. Com estas duas vertentes, este lugar histórico será cada vez mais um destino de referência no turismo cultural em Portugal. 



 O MONUMENTO EVOCATIVO DE NUNO ÁLVARES PEREIRA


A Fundação interveio também no restauro e recolocação do monumento alegórico a Nuno Álvares Pereira, datado de 1957, da autoria de Raul Xavier.


Monumento Evocativo de Nuno Álvares Pereira é um espaço cenográfico. Tem sido palco de actividades culturais ao ar livre, mas também de cerimónias cobertas (com recurso a tenda).



 

Arqueologia

O trabalho da Fundação Batalha de Aljubarrota não se restringe à valorização do Centro de Interpretação, mas alarga os seus objectivos científicos a todo o terreiro de batalha, às “covas de lobo” e toda a sua envolvente como conjunto patrimonial, classificado como Monumento Nacional.


A Arqueologia


A análise das escavações existentes no campo de batalha de Aljubarrota iniciou-se no próprio dia da Batalha, ou seja, em 14 de Agosto de 1385. Com efeito, em três relatos seguidamente referidos, obtidos a partir de participantes na Batalha, foi possível obter a indicação de obstáculos artificiais escavados no solo, efectuados pelos portugueses.

Em primeiro lugar, o Rei castelhano D. Juan I, pôde observar estes obstáculos no dia da batalha, que referiu 15 dias depois, numa carta que escreveu à cidade de Múrcia:

“Sabei que na 2ª feira, dia 14 de Agosto, tivemos batalha com aquele traidor, que pretende ser Mestre de Avis, e com todos os do Reino de Portugal que pela sua parte tinha, bem como com todos os outros estrangeiros, tanto ingleses como gascões, que com ele estavam, tendo a batalha decorrido desta maneira. Eles colocaram-se numa posição forte entre duas ribeiras, com uma profundidade de 15 metros, e quando a nossa gente chegou àquele lugar encontraram: em primeiro lugar troncos de árvores empilhados que protegiam os portugueses, e que nos davam pela cintura; em segundo lugar, em frente dos portugueses, uma vala escavada no chão, tão alta como um homem até à garganta. Apesar destas dificuldades, que foram avistados pelos nossos, decidiram atacar os portugueses e pelos nossos pecados fomos vencidos. Vendo a nossa gente desbaratada fugi para Santarém e daí de barco para a nossa frota em Lisboa e depois para Sevilha”.

É bem patente a referência do Rei castelhano a “uma vala escavada no chão” pelos portugueses, como parte do seu sistema defensivo.

Em segundo lugar, também o Dispenseiro da Rainha D. Leonor refere: 

“O Mestre de Avis, que se intitulava Rei de Portugal, colocou o seu exército num terreno favorável, protegido em seu redor por troncos de árvores, tendo também sido feitos muitos buracos no chão cobertos por ramos de árvores”.

Em terceiro lugar, Jean Froissart, falou com João Fernandes Pacheco que participou na Batalha, e que referiu: 

“Entre nós e os castelhanos havia um grande fosso, não tão grande contudo que um cavalo o não pudesse transpor, mas que nos deu uma pequena vantagem”. 

Esta afirmação revela bem que antes da Batalha, os portugueses abriram uma vala transversal para proteger o seu exército, que embora não fosse muito grande, serviu para retardar o avanço dos franceses e castelhanos, expondo-os por maior tempo ás flechas e virotões do exército anglo-português.




Reconstituição do trajecto desta ribeira no local onde existiu, utilizando pedras de calcário e plantação de espécies vegetais existentes em cursos de água.


Pelo contrário, Fernão Lopes na sua crónica da Batalha, nada refere relativamente a estes obstáculos escavados no terreno, provavelmente com a intenção de engrandecer e enaltecer a bravura e a vitória dos portugueses.


Anos 50 - Afonso do Paço

Existindo assim dúvidas quanto á existência, ou não, destes obstáculos, o Exército Português optou por, em 1950, implementar trabalhos de arqueologia no Campo de Aljubarrota, que permitissem esclarecer esta importante questão. Desta forma, numa nota de Fevereiro de 1950, o Estado Maior do Exército dava a conhecer à Comissão de História Militar que se devia proceder a um estudo da “campanha de 1385”, por forma a se poder definir uma versão verdadeira dos factos, depois de esclarecidas as dúvidas e as opiniões opostas e divergentes que têm existido sobre a Batalha de Aljubarrota.

Perante as divergências sobre a existência, ou não, de uma organização defensiva significativa construída pelos portugueses, impunha-se a necessidade de se promoverem escavações no campo de batalha.

Para dar cumprimento a este propósito, constituiu-se dentro da Comissão de História Militar, um agrupamento formado pelos vogais Tenente-Coronel Botelho da Costa Veiga e Capitão Gastão de Matos, para realizar o referido trabalho. Para conduzir a escavação acharam que era necessário um arqueólogo, tendo a escolha recaído no Tenente-Coronel Manuel Afonso do Paço.  

Sobre as escavações efectuadas escreveu, em 1965, Afonso do Paço:


“Nos finais de Maio de 1958, tínhamos posto a descoberto um curioso fosso que corria a Norte e Leste da Capela de São Jorge, numa extensão aproximada de 182 metros, dos quais uns 150 metros orientados na direção N-S (Figura 3, A); este fosso apresentava quatro ramais diferentes. No Outono posemos a descoberto umas 40 filas de “covas do lobo”, com extensões aproximadas de 60 e 80 cm cada (Figura 3, C), dispostas em espinha sobre um fosso situado no terço superior do conjunto (Figura 3, D). 

O mapa seguidamente apresentado tem como referência a Capela de São Jorge, assinalada com uma cruz:

Estávamos perante uma área esplendidamente fortificada, com a profundidade de cerca de 300 metros, que ocupava o flanco esquerdo da posição do hoste portuguesa, onde havíamos reconhecido umas 830 “covas do lobo”.   

É possível analisar, nas seguintes duas fotografias, algumas das descobertas arqueológicas obtidas por Afonso do Paço, nos trabalhos que realizou em Aljubarrota entre 1958 e 1960:



                            Conjunto de “covas do lobo” situadas em frente da vanguarda portuguesa (imagem Afonso do Paço)



                          Parte interior do ramo C do “grande fosso” (imagem Afonso do Paço)


Os trabalhos de Afonso do Paço tiveram assim enorme importância pois permitiram esclarecer, definitivamente, que os obstáculos artificiais construídos pelo exército de Nuno Álvares Pereira na véspera da batalha, desempenharam um papel determinante no retardamento do avanço da infantaria castelhana e sobretudo da cavalaria francesa e castelhana, contribuindo assim significativamente para o sucesso dos portugueses. Estes trabalhos permitiram também a descoberta de uma vala comum, onde foram encontrados os ossos de 414 castelhanos e franceses. É um trabalho que não está, contudo, ainda terminado, e que será realizado á medida que a Fundação Batalha de Aljubarrota for adquirindo terrenos situados na zona de combate desta batalha.

Nas seguintes fotografias vemos Afonso do Paço no Campo de Aljubarrota, descrevendo os resultados obtidos nas escavações.


Afonso do Paço que aparece como a primeira figura à esquerda, juntamente com o historiador inglês Peter Russell,  que identificou os nomes dos arqueiros ingleses que participaram na Batalha de Aljubarrota (imagem Arquivo Histórico Militar) 



O Cor. Afonso do Paço apresentando a entidades oficiais os resultados da campanha arqueológica. (imagem Arquivo Histórico Militar)


Referiu Afonso do Paço, em 1961, que nos fossos e em várias covas do lobo foram encontradas muitas pedras de calcário, que não existindo na região, significa que foram, com toda a probabilidade, utilizadas pelos portugueses na Batalha, atirando-as contra os cavaleiros e homens a pé castelhanos, quando se aproximaram do exército português. Referiu também que embora tenha encontrado 830 covas do lobo, deveriam existir certamente muitas mais, não só porque há muitos terrenos que não foram escavados por não pertencerem ao Estado, mas também porque se trabalhou apenas no lado esquerdo do Campo de Batalha, tendo ficado todo o lado direito por explorar.

Por outro lado, afirmou Afonso do Paço que “não há fossos ou duas covas do lobo iguais em cumprimento ou profundidade, o que parece indicar que foi tudo escavado muito depressa. Também se verificou, mediante um exame minucioso, que no fundo das covas do lobo não havia o menor indício de estacas cravadas no terreno.”

Mostrou também Afonso do Paço a sua preocupação pelo enorme trabalho arqueológico que, em 1960, ficou por realizar no Campo de Aljubarrota, que seria indispensável continuar no futuro. Referiu concretamente: “Em Aljubarrota, dizemo-lo mais uma vez, já não podemos parar. O brio nacional impõe que se continue, e bem, naquilo que em boa hora e com excelentes resultados se começou. Somos também da opinião que todas as obras que se realizem no Campo de Batalha devem ser precedidas de um reconhecimento histórico do local.”

Uma vez que nada existia no Campo de Aljubarrota, em 1961, alusivo a esta batalha, sugeriu ainda Afonso do Paço: “Deveria aí ser colocada uma maquete, em cimento, ao ar livre, que elucidaria o visitante sobre quanto ali se encontrou. Isto deveria ser completado com um pequeno museu local de assuntos relacionados com a Batalha de Aljubarrota, com as escavações e com a importância do que foi aí encontrado”.

A este respeito é com enorme satisfação que a Fundação Batalha de Aljubarrota verifica ter conseguido concretizar um dos grandes desejos de Afonso do Paço, ao ter construído e inaugurado, em 2008, o Centro de Interpretação da Batalha de Aljubarrota, onde se colocaram os achados arqueológicos encontrados não só por Afonso do Paço, mas também pelos trabalhos realizados nos anos seguintes.

Referiu ainda, em 1961, Afonso do Paço: “Há neste momento, no campo de batalha, um conjunto de problemas em suspenso, que se forem tratados por quem não os entenda, por quem não tenha uma sensibilidade de Aljubarrota, sensibilidade que só dá o muito lidar com Aljubarrota, poderão ser irremediavelmente destruídos. (..)"

"(...) E para concluir, atrevemo-nos a perguntar, se não merece Aljubarrota que cuidemos dela a sério, neste ano do 6º centenário de génio militar que neste local conduziu a nossa reduzida hoste à vitória, vitória que nos conservou a independência, nos deu a Índia e o Brasil de que tanto nos orgulhamos, e abriu ao Mundo as portas da Idade Moderna.”


ANOS 80

Mais tarde, em 1985, Fernando Severino Lourenço estuda a morfologia e composição do terreno do campo de batalha, suscitando algumas dúvidas de carácter temporal, nomeadamente, se um dos grandes fossos, teria sido construído antes ou depois da Batalha. Com efeito, Fernão Lopes tinha relatado trabalhos de vigilância e reforço das defesas do acampamento português, nessa mesma noite de 14 de Agosto, a fim de enfrentar uma nova possível ofensiva do exército castelhano.


ANOS 90

Em 1999, Helena Catarino, em colaboração com o Prof. João Gouveia Monteiro, a partir de um apoio concedido pelo Governo Civil de Leiria, alargaram a área de intervenção arqueológica, com o intuito de compreender qual a dimensão e disposição das estruturas defensivas no campo de batalha de Aljubarrota, mais propriamente no flanco central das tropas portuguesas. Foi para esse efeito obtida a autorização do proprietário do terreno agrícola n.º 69, Sr. Joaquim Luís Monteiro, para a realização das escavações. Descobriram-se então mais obstáculos artificiais realizados pelos portugueses em 1385, antes ou mesmo depois da Batalha, confirmando-se que todo o conjunto de fortificações formaria uma espécie de funil, fazendo com que a frente da batalha se resumisse a escassas centenas de metros. 

Desta forma, e a poente da Capela de São Jorge, foi descoberto o tramo de um novo fosso com uma orientação sudoeste-noroeste, situado em frente do local onde se localizou a vanguarda portuguesa, como se pode observar nas seguintes imagens: 


Fosso situado em frente da parte central da vanguarda portuguesa 


Foram também aí descobertas nove “covas do lobo”, com dimensões médias de 56 cm de comprimento e 44,2 cm no fundo. Estes novos achados indicam claramente a probabilidade de se descobrirem novas covas do lobo e fossos, em futuros trabalhos de arqueologia.  


Anos 2000 - Fundação Batalha de Aljubarrota

Os notáveis trabalhos de arqueologia realizados entre 1958 e 1999, foram depois continuados pela Fundação Batalha de Aljubarrota, a partir do momento da sua constituição em 2002. Desta forma, entre 2005 e 2007, a Fundação apoiou uma nova campanha arqueológica, realizada por uma equipa chefiada pela Dra. Maria Antónia Amaral, que confirmou que o sistema defensivo de inspiração anglo-saxónico se prolonga para o lado Norte, com um fosso construído já depois da batalha, para resistir a um possível novo avanço das tropas castelhanas. Para se evitar a destruição deste “fosso”, foi o mesmo incorporado no interior do Centro de Interpretação da Batalha de Aljubarrota, que seria construído entre 2006 e 2008, tendo sido protegido e consolidada a estrutura deste fosso.

Apresentamos seguidamente uma fotografia que mostra o novo fosso que foi descoberto antes das obras de construção do Centro de Interpretação da Batalha de Aljubarrota, junto ao antigo Museu Militar, e que pode hoje ser observado pelo público visitante deste Centro.



 Fosso que foi encontrado no exterior do antigo Museu Militar em 2006, e que foi posteriormente incorporado no Centro de Interpretação.


Nos trabalhos de 2005 a 2007, foi também inventariado e tratado todo o material numismático, cerâmico e osteológico encontrado.


ANOS 2010 - E ACTUALIDADE

Apesar dos trabalhos de arqueologia já realizados, existem importantes partes do Campo de Aljubarrota que estão ainda por explorar e investigar. Deste modo e com o apoio do Turismo de Portugal, foram desenvolvidos, entre 2018 e 2019, novos trabalhos de arqueologia, sob a orientação científica da Dra. Maria Antónia Amaral, que permitiu, nomeadamente, as seguintes conclusões:

"(...) Uma das grandes questões levantadas pela investigação histórica e arqueológica aqui desenvolvida desde 1958, prende-se, sem dúvida, com o desconhecimento da arquitectura da fortificação do campo de batalha a que aludem as crónicas medievais, e da sua real dimensão. O que era esta fortificação, um recinto de madeira, um sistema de abatises e trincheiras, o que eram as covas de lobo e os fossos, que função tiveram estes obstáculos e como se relacionaram com os obstáculos naturais que a topografia do local oferecia, como depressões, barrancos, declives acentuados e linhas de água ?

Responder a todas estas questões tornou-se um grande desafio, tanto maior se pensarmos nas limitações à investigação com que nos deparámos, nomeadamente o facto de, a priori, apenas termos autorização para sondar os terrenos propriedades do Estado Português e da Fundação Batalha de Aljubarrota. Condicionados em termos de áreas disponíveis para escavação, selecionámos 5 zonas localizadas em pontos cruciais do campo de batalha ou em zonas que, pela sua disponibilidade, nos poderiam ser úteis, do ponto de vista científico, para definir o perímetro da fortificação ou para caracterizar outras ocupações deste planalto que importa, também, considerar. 

As duas áreas na zona Este do campo, a zona E e a zona D, localizam-se junto à capela e em zonas imediatamente contíguas ao grande fosso, onde os historiadores militares têm colocado a vanguarda, liderada por D. Nuno Alvares Pereira, e a ala esquerda do exército esquerda, onde se encontravam os arqueiros e besteiros. A zona Sul – área C e F – que corresponde ao epicentro da batalha, onde se terá dado o confronto, já foi em parte escavada, em 1958, por Afonso do Paço. 

A área B, encostada aos vestígios arqueológicos referidos e onde era expectável que se identificasse o prolongamento do pequeno tramo de fosso e dos conjunto das covas do lobo; e a área A, localizada um pouco mais a Sul, junto à estrada municipal (atual Avenida D. Nuno Alvares Pereira), do lado oposto às covas do lobo, onde esperávamos, igualmente, identificar mais estruturas defensivas.  

Destas cinco zonas seleccionadas para desenvolver este projecto trabalhámos, entre 20018 e 2019, as áreas A, B, C, E e a F, cujos resultados queríamos aqui partilhar.

Começando pelo resultado da escavação arqueológica da zona Este – área E -, onde escavámos cerca de 300 m2 de área distribuída por 7 sondagens, concluímos que a excessiva ação antrópica que a construção do Bairro da Rua Henrique Guimarães acarretou, destruiu qualquer evidência (se é que existiu neste sítio) da altura da batalha. Conseguimos, contudo, resgatar a modelação do terreno original comprovando-se que, neste ponto, o estreitamento do planalto, de que falam os historiadores medievais como tendo sido determinante no reequilíbrio da dimensão das frentes de batalha dos dois exércitos em confronto, era, afinal, ainda mais evidente e acentuado do que hoje se nos apresenta. A zona limite do planalto terá sido expandida para Este, a partir de meados dos séculos XX, por enchimento, aplanando e alargando este local no sentido Oeste-Este e disponibilizando, desta forma, aos novos habitantes deste bairro, mais terreno para a agricultura. 

A área C, anteriormente escavada por Afonso do Paço, como acima referimos, foi objeto de cinco sondagens, com 10 metros por 10 metros, e duas mais pequenas, com 5 metros por 5 metros, a que corresponde cerca de 550 m2 de área intervencionada. Identificámos um conjunto considerável de estruturas, em negativo - covas do lobo e fossos -, que coincide, em parte, com o que foi representado cartograficamente, em 1958, mas identificámos uma estrutura inédita, um grande fosso, no extremo norte deste terreno. Esta estrutura, que corre no sentido Oeste-sudoeste/Este-noroeste, não aparece representada nos desenhos de Afonso do Paço, e parece-nos possível que venha a entroncar no grande fosso da capela de S. Jorge. 

Resta-nos, por fim, a zona Oeste, onde depositámos tantas esperanças. Na área A, em frente à área C, onde esperávamos identificar um conjunto de dispositivos, em continuidade com os já registados em 1999, abrimos 2 sondagens com 10 metros por 5 metros, numa área total de 100 m2. Aqui se identificaram dois muros a perfazer um L e um pavimento em argamassa esbranquiçada, datáveis do período moderno, sem qualquer relação com a batalha. Na área B abriram-se 10 sondagens, quase todas contíguas, que ocuparam cerca de 400 m2. Foi a zona que mais resultados revelou: um conjunto significativo de estruturas em negativo constituído por 4 fossos e cerca de 28 covas do lobo. Os sedimentos das estruturas mais significativas, como o fosso de maiores dimensões, foram enviados para datação no Laboratório Beta Analytic, em Miami, na Florida, USA. Embora as datações não tenham sido todas concordantes com o período da batalha, os resultados das análises dos sedimentos correspondentes a duas amostras recolhidas em dois pontos do enchimento do fosso apontaram para uma data de 1390, mais ou menos 30 anos, que corresponde perfeitamente ao período da construção da fortificação ou do seu abandono (o que terá acontecido 3 dias após a batalha). Recolheram-se alguns objectos metálicos, ainda em estudo, que julgamos poder corresponder a armamento e elementos do vestuário compatíveis com o período da batalha. É possível, ainda, que este fosso, que podemos classificar, agora, como comprovadamente medieval, se relacione com os vestígios do grande fosso encontrados em redor da capela e, eventualmente, com o fosso inédito identificado na zona limítrofe Norte da zona das covas do lobo (área C). (...)"



Trabalhos realizados na área A (imagem FBA)




Trabalhos realizados na área A (imagem FBA) São possíveis observar os três locais a serem escavados, com uma cor acastanhada: um a norte da Capela (área A), outro à direita da Capela (área E) e a sul da Capela (áreas C e F)  (Imagem FBA - Sergiy Scheblykin) .


Por fim não podemos deixar de referir que o resultado desta investigação tem a bondade de contribuir, ainda, para o desejável crescimento da área expositiva do Centro de Interpretação da Batalha de Aljubarrota (CIBA) disponibilizando conteúdos novos e/ou em permanente actualização. Deve a este respeito ser salientado que nos trabalhos de 2019 foi descoberta uma ponta de lança utilizada na Batalha, que será colocada na área expositiva do Centro de Interpretação da Batalha de Aljubarrota.  

Os trabalhos de arqueologia são assim uma componente essencial para o bom entendimento de como decorreu e se travou a Batalha de Aljubarrota. Apesar da destruição que se verificou de diversos obstáculos construídos pelo exército de Nuno Álvares Pereira devido á acção do homem, nomeadamente com a construção de casas e de estradas, sobreviveram seguramente muitos vestígios da Batalha, que trabalhos de arqueologia, em anos futuros, irão certamente descobrir. É assim uma tarefa essencial à qual a Fundação Batalha de Aljubarrota continuará a dar a maior importância e atenção.

 

Em 1961, Afonso do Paço afirmou que a paisagem do Campo de Aljubarrota deveria ser objecto de uma protecção, investigação e valorização séria, em função dos notáveis feitos que aí tiveram lugar, que asseguraram a nossa independência e a expansão marítima nos séculos seguintes.

Este desejo de Afonso do Paço continua hoje tão actual como em 1961, pois tendo chegado até nós uma parte intacta desta paisagem histórica, bem como importantes vestígios da Batalha, não seria compreensível para as próximas gerações, que não protegêssemos e valorizássemos, no presente e no futuro, este acontecimento único e decisivo da História de Portugal.

Esses objectivos essenciais incluirão, nomeadamente, o prosseguimento dos trabalhos de arqueologia, o melhoramento da oferta cultural do Centro de Interpretação e a realização de um Plano de Pormenor em 2021, que permita proteger, para sempre, a paisagem deste lugar histórico, único e insubstituível. 


Percursos

O Centro de Interpretação e o seu circuito museológico, resultaram da coordenação dos projectos de arquitectura, paisagismo e museologia e museografia.

É permitido aos visitantes a circulação por todo o terreno, sem cortes ou interrupções, entre o CIBA e as “covas de lobo”, passando pela Capela de São Jorge. Possibilita-se um percurso lógico e coerente, de forma a tornar clara e perceptível a leitura do território onde se travou a Batalha de Aljubarrota em 1385. Existe um percurso histórico, assinalando os pontos principais deste campo de batalha.

Dá-se também aos visitantes uma noção das condições do terreno à data da batalha, pois tiveram uma importância significativa na vitória das tropas portuguesas. Contribuindo para tal a remoção de elementos que actualmente alteram a leitura do terreno e criando-se os percursos necessários à ligação das principais estruturas assinaladas e existentes no local.

a visita ao 4º núcleo - o campo da batalha

Mesmo depois da visita plena a todos os núcleos museológicos do Centro de Interpretação, a visita ao exterior tem-se vindo a revelar uma necessidade cada vez maior, uma vez que o entendimento do terreno, embora seja feito com recurso a um modelo digital explorável pelo visitante (MDT) patente no CIBA, e embora facilite a sua percepção espacial, torna-se difícil “sentir” o terreno, mesmo com estruturas de apoio à interpretação ali existentes.


 À direita o Modelo Digital do Terreno (MDT) e à esquerda o núcleo dedicado à arqueologia do sítio de São Jorge, dois dos equipamentos de apoio à interpretação do espaço e enquadramento histórico do período e do evento, disponíveis no 1º Núcleo do CIBA.


Para facilitar tal interpretação, existe como recurso no circuito exterior 2 tipos de estrutura de apoio: audioguias e os cronotelescópios- estruturas de visualização de um determinado ponto notável ou ponto de interesse (PI) na paisagem em que faz a transição temporal entre a actualidade e um determinado momento da batalha.

Esta interpretação espacial é apoiada também com recurso a uma narrativa através do suporte áudio-guia, com 16 pontos notáveis, em 2 níveis de interpretação, conforme a apetência do visitante, e em 8 idiomas diferentes (português, castelhano, catalão, inglês, francês, alemão, italiano e japonês)



Imagem tridimensional esquemática do espaço visitável actual, usada para apoio ao circuito exterior de áudio-guias


Sendo a base tecnológica destes audioguias de fácil adaptação a novos conteúdos, existe a possibilidade para alargar e aumentar a informação disponibilizada, com aumento dos pontos notáveis, optimizando o equipamento disponível.

Na visita ao CIBA, é possível adquirir o mapa do circuito, que auxilia os visitantes na descoberta desta campo arqueológico e paisagem histórica!

A Fundação Batalha de Aljubarrota, procurará aumentar quanto possível os seus circuitos museológicos, consoante o avanços dos trabalhos arqueológicos, e a disponibilização de áreas para visita e usufruto dos seus visitantes.


Imagem do projecto futuro de circuito museológico. Imagem superior com o "Antes".