Jornada pelo Tempo

1665 – Batalha de Montes Claros

As Batalhas

Downloads

Contexto Político Anterior à Batalha de Montes Claros

Nos sessenta anos que decorreram de 1580 a 1640, o governo dos Filipes foi progressivamente sendo considerado como um período de reis estranhos.

Este sentimento acentuou-se a partir de 1621 com o reinado de Filipe III, face ao aumento verificado nos impostos e ao recrutamento de militares portugueses para servirem com o exército espanhol, nomeadamente na guerra da Catalunha.

 

A população portuguesa tinha também, e com fundamento, a percepção de que o referido aumento de impostos não se destinava a melhorar as condições de vida em Portugal, mas sim a financiar projectos espanhóis, nomeadamente as campanhas militares na Europa e a sua expansão ultramarina.

 

Em face desta situação, o descontentamento em Portugal foi alastrando. Tendo a nobreza mais importante e de maior destaque sido o motor da Restauração. Esta eclodiu em 1 de Dezembro de 1640, tendo de imediato aderido a esta acção outros e variados estratos sociais, do alto clero às gentes mais humildes.

Esta adesão colectiva do povo português explica os sacrifícios humanos e materiais demonstrados nos anos seguintes na resistência militar, ao longo das fronteiras e no território ultramarino.

A aclamação de D. João IV verificou-se em 15 de Dezembro, no Terreiro do Paço em Lisboa. Seguidamente o novo monarca convocou as Cortes, que se iniciaram em Lisboa em 28 de Janeiro de 1641, com a participação do clero, da nobreza e do povo. Com estas Cortes permitiu-se o recrutamento de 20,000 infantes e 4,000 cavaleiros.

Os confrontos militares começaram em 1641, com escaramuças no Alto Minho, Beira Alta e sobretudo no sotavento Algarvio e no Alentejo.

Foi contudo em 26 de Maio de 1644 que se verificou a primeira batalha, a Batalha do Montijo. Travada em Espanha, perto da Badajoz, esta Batalha traduziu-se numa retumbante vitória para Portugal.

Neste período de grande incerteza e aflição em relação ao futuro, em face da mais que provável invasão do exército espanhol, D. João IV, numa cerimónia realizada em 1646 na Igreja de Vila Viçosa, consagra o povo português à Imaculada Conceição e proclama Nossa Senhora como rainha e padroeira de Portugal. Não mais os reis de Portugal voltariam a colocar a coroa real na cabeça, pois a partir de então esse direito foi conferido à imagem de Nossa Senhora.

D. João IV morre em Novembro de 1656, tendo confiado em testamento a regência do Reino a D. Luísa de Gusmão. Embora espanhola por nascimento, da região da Andaluzia, D. Luísa desde logo abraçou a causa do seu marido, tendo servido eficazmente a Restauração antes e depois da morte de D. João IV, procurando assegurar a independência de Portugal e a sobrevivência da Dinastia.

Em 15 de Novembro de 1656 fez-se o juramento do novo rei, D. Afonso VI, então com apenas 13 anos.

A praça de Elvas foi cercada a partir de 22 de Outubro de 1658. Em 14 de Janeiro de 1659 o cerco espanhol a Elvas foi contudo quebrado por um exército de socorro português, que obteve uma vitória significativa no que ficou conhecida como a Batalha das Linhas de Elvas.

A regência de D. Luísa de Gusmão manteve-se até 23 de Junho de 1662, data em que D. Afonso VI, então com 19 anos, assume o poder em Portugal.

Em Maio de 1663, um novo exército espanhol de 26,500 homens invade Portugal, a partir de Badajoz. Depois de ter chegado a Alcácer do Sal, é contudo obrigado a recuar para Espanha. Dá-se então a Batalha do Ameixial, em 8 de Junho de 1663, a 5 Km de Estremoz. A vitória portuguesa foi esmagadora, tendo os espanhóis sido completamente desbaratados.

Filipe IV de Espanha não se conformava contudo com a revolta empreendida por Portugal, e vivia determinado a recuperar a Coroa Portuguesa. Tinha agora terminado a guerra que os espanhóis mantinham com os franceses em diversas frentes. Podiam assim concentrar-se em Portugal, reunir forças e material para uma ofensiva de grande envergadura, que de vez decidisse a guerra a seu favor.

O Desenrolar da Batalha

Para comandar o exército invasor, Filipe IV mandou vir da Flandres o experiente e afamado Marquês de Caracena.

Devido à disponibilidade de meios espanhóis nas diversas áreas anteriormente referidas, foram reunidas tropas que a Espanha mantinha na Europa continental, e que eram experimentadas nos vários cenários de guerra, como era o caso da Flandres, dos Estados Italianos, da Alemanha, da Suiça, e de tropas que haviam combatido as forças franceses.

Era a elite e a fina-flor dos experientes e afamados tércios espanhóis. No total o exército espanhol atingia cerca de 22,000 homens, dos quais 15,000 infantes e 7,000 cavaleiros, a grande maioria dos quais com grande experiência de combate. Este exército dispunha ainda de catorze peças de artilharia.

A 1 de Junho de 1665, o Marquês de Caracena, à frente de um poderoso exército, partiu de Badajoz, passando o Caia no dia 7. No dia 9 de Junho, Borba caía em seu poder. Investiu de seguida sobre Vila Viçosa, que cercou e tentou, sem sucesso, tomar de assalto.

O exército português reunido em Estremoz, com 20,500 soldados de infantaria e de cavalaria, pôr-se em marcha no dia 17 de Junho. Tinha como objectivo socorrer a heróica guarnição da praça sitiada, antes que esta soçobrasse ao peso dos números do inimigo, mas também de provocar uma batalha contra o exército espanhol.

No dia 17 de Junho, os espanhóis ao saberem da aproximação do exército português deixaram uma pequena força a cercar Vila Viçosa, e partiram ao encontro dos portugueses. Os dois exércitos encontraram-se então na planície situada entre as serras da Vigária e da Ossa., a partir das nove horas da manhã.

Caracena pretendeu atacar o exército português ainda em marcha, com o objectivo de criar uma confusão. O Marquês de Marialva percebeu este intento, e ordenou que o seu exército parasse em Montes Claros e dispondo-o em ordem de batalha. Schomberg executou esta missão com rapidez e com a sua hábil ciência militar.

O exército do Marquês de Caracena iniciou a marcha em massa contra as forças portuguesas, através de dois corpos, um de cavalaria e outro de infantaria, tendo-se os primeiros combates verificado junto ao Convento de Nossa Senhora da Luz.

Caracena, que colocou o seu posto de comando na Serra da Vigária, pretendia surpreender a cavalaria portuguesa que estava dividida em duas alas, carregando a cavalaria espanhola sobre o centro e a ala direita portuguesa, procurando isolá-las da ala esquerda.

O Conde de Schomberg prevendo essa intenção espanhola, fez deslocar a cavalaria portuguesa do flanco esquerdo (vinhas) para o flanco direito (contrafortes da Serra de Ossa), o que se revelou uma medida extremamente acertada.

Iniciado o ataque da cavalaria espanhola no flanco direito português, os terços e a cavalaria portuguesa da primeira linha sofreram uma forte pressão, salvando-se apenas dessa situação crítica pelo referido reforço da cavalaria portuguesa e pela intervenção decidida da artilharia chefiada por D. Luís de Meneses, que abriu fogo à queima-roupa contra as linhas inimigas.

Ao mesmo tempo a infantaria espanhola avançou, apesar das dificuldades do terreno composto por vinhas, sobre a infantaria portuguesa situada na ala esquerda.

Perante esse avanço espanhol, um regimento inglês efectuou uma retirada precipitada, dois regimentos franceses foram rechaçados e um terço de auxiliares de Évora que ia em seu auxílio sofreu um revês.

O Conde de Schomberg que com grande diligência acudia aos mais difíceis confrontos, chamou três terços portugueses e introduziu-os nesse local a combater. Esta iniciativa obrigou os castelhanos a perder o terreno que haviam ganho.

Mais tarde e depois de recomposta, a cavalaria espanhola procurou romper a segunda linha da ala direita portuguesa. Perante a situação crítica que se criou, destacou-se o Marquês de Marialva ao organizar uma forte resistência com piques e artilharia, bem como o Conde da Ericeira, D. Luís de Meneses que comandava a artilharia portuguesa, conseguindo-se dessa forma evitar o recuo do exército português.

Deram-se em seguida choques muito duros e violentíssimos entre os esquadrões dos dois exércitos, com avanços e recuos entre as duas cavalarias. Nesse momento o Marquês de Marialva temendo que a infantaria espanhola acabasse por romper o flanco esquerdo português, situado como se referiu num terreno com vinhas, o que comprometeria a defesa brilhante que a segunda linha portuguesa do centro e da direita estava a efectuar, desguarneceu a ala direita portuguesa, e deslocou alguns terços para a ala esquerda. Este movimento, efectuado com rapidez, permitiu restabelecer o equilíbrio do combate a favor das forças portuguesas, evitando-se assim o rompimento das linhas portuguesas.

A Batalha foi de uma dureza extrema, estando durante muito tempo indecisa, ou parecendo mesmo pender para o lado espanhol. Ás três da tarde, depois de sete horas de duros combates, foi possível suster a agressividade dos ataques do exército espanhol, em face da tenaz e bem organizada resistência portuguesa.

As forças portuguesas, depois de recompostas das primeiras brechas e sob a protecção da sua artilharia que colocada nos contrafortes da Serra d´Ossa sempre se revelou extremamente eficaz, conseguiram fazer recuar o inimigo.

Verificando não conseguir romper as forças portuguesas, a cavalaria castelhana parou as suas cargas e a artilharia suspendeu os disparos.

O exército espanhol pretendeu então retirar disfarçadamente, tendo D. Diniz de Melo, general de cavalaria, sido avisado dessa intenção, decidindo então carregar decididamente sobre os castelhanos. A investida foi tão enérgica que transformou a retirada em debandada desordenada.

O Marquês de Marialva ao ver a cavalaria espanhola em fuga em direcção a Borba, tirou o máximo partido da situação cortando-lhe a retirada.

Este facto agravou ainda mais a desordem da retirada, deixando então o exército espanhol na posse dos portugueses milhares de prisioneiros. Escaparam apenas quatro terços que se tinham concentrado na Serra da Vigária, junto ao Marquês de Caracena.

Nesse momento, a guarnição de Vila Viçosa ao verificar a evolução da batalha, investiu corajosamente, rompendo o cerco que 1,800 espanhóis lhe faziam. Foi apresada a artilharia espanhola que se encontrava em volta de Vila Viçosa, sendo também feitos muitos prisioneiros. Os restantes sitiantes espanhóis debandaram.

A Batalha de Montes Claros terminou assim com uma pesada derrota espanhola, depois de nove horas de combates.

O exército português sofreu cerca de 700 mortos. O exército espanhol sofreu contudo 4,000 mortos e 6,000 prisioneiros, tendo ainda perdido 3,500 cavalos, que foram posteriormente distribuídos pelas várias companhias do Reino. Foram também capturadas ao exército castelhano 14 peças de artilharia, inúmeras balas, todo o tipo de armas de infantaria, oitenta bandeiras de infantaria e dezoito de cavalaria.

Mais um grande general espanhol era imolado na fogueira da guerra da restauração. Mais um perigoso plano de invasão fora batido e a independência do reino consolidada.

Consequências da Batalha

A Batalha dos Montes Claros foi fundamental para que Portugal tivesse assegurado a sua integridade territorial e conseguido chegar ao séc. XXI como País livre e independente. Com efeito, e após uma série de vitórias militares, a Batalha de Montes Claros veio confirmar um processo irreversível, tendo constituído a batalha decisiva que pôs termo à guerra.

No plano internacional, a vitória portuguesa em Montes Claros acentuou o propósito da França e da Inglaterra em promoverem o estabelecimento de um tratado de paz entre Portugal e Espanha.

Para a França, a independência de Portugal relativamente a Espanha, contribuiria para assegurar a hegemonia europeia que a Guerra dos Trinta Anos lhe concedera. Desta forma, a França chegou mesmo a assinar com Portugal em 31 de Março de 1667, uma aliança ofensiva e defensiva, por 10 anos, contra Carlos II de Espanha.

Para a Inglaterra, a divisão entre Portugal e Espanha, favoreceria o aumento do seu poderio naval e facilitaria a sua expansão ultramarina. Por isso o embaixador inglês em Madrid trabalhou em 1666 e 1667 num tratado anglo-espanhol em que se previa uma trégua de 45 anos com Portugal.

Este quadro político levou assim à assinatura do Tratado de Paz em Madrid a 5 de Janeiro de 1668, e ratificado em Lisboa a 13 de Fevereiro. Este tratado previa uma paz perpétua entre os dois Países.